domingo, 27 de novembro de 2011

O TEMPO CONSUMIU PALAVRAS


O tempo consumiu palavras,
Reduziu-as ao pó frio do abraço perdido,
Ainda este não se fazia sentido.
Escancarou portas sem muros,
Deu com violência, sibilou urros,
Abriu-se o grotesco sorriso,
Perdurou no silêncio das palavras…
A necrose abriu, corroeu,
Deixou feridas soltas, fechadas…
Soletrou vinagre azedo,
Na dor consentida e incapaz,
Agora é o silêncio que destila,
A morbidez por trás escondida,
Das vielas tortuosas da mente.
Como ruas vazias sem casas,
No cérebro de um demente.
Os corpos caminham desnudados,
Os frutos caiem mais cedo das árvores,
Elas ficaram sem vida, inertes, frias,
Como sentimentos amargurados,
Amontoados no chão da terra vazia.

Cometi um erro grave e sofro,
Sinto-me como um mar revolto,
Um vento fortíssimo varre-me o espírito e o corpo,
Afastando-me para o largo, lá...
Onde corre a minha alma de poeta,
Força libertadora que também é fúria.
Algo que me persegue,
Faz-me sentir que não queria existir,
Ter consciência, isso mata, destrói, corrompe,
Faz-me voar em palavras sofridas,
Quero dizer e não tenho.
Palavras que levam carinho e ternura puros,
Tristeza que se estende na frente...

Inútil essa inconsciência dos homens,
Desconhecem que não podem escrever o que gostariam,
Perceber a condição de seres humanos, limitados!
Agora sinto poucas palavras escritas,
As mãos limpas no vazio da impossibilidade.
Por vezes as palavras são inimigas,
Não me conhecem,
Não sabem como sou,
São alheias, soltas, inúteis...
Resgatam-se sem o elo que as une a mim,
Sem a força poderosa do verbo,
A eloquência frustrada do meu devaneio.

O meu erro foi querer abrir esta enseada sem palavras, agarrada ao meu silêncio num lago de perfeita serenidade...

Miguel Martins de Menezes 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Flor de Aguapé"




Conheci-a no silêncio de um momento em que as folhas do Outono alimentavam o húmus da terra.
Era uma princesa sem coroa, despida, nua! A sua nudez não chocava, era ela, sem mácula, sem nódoa…
Levantei o meu rosto e olhei-a sentada, atenta... olhava o horizonte como uma flor de aguapé sagrada esquecida no tempo. Era linda e perfumada, possuía a nobreza delicada das flores. Ao seu redor estendia-se um lago de serenidade...
Segredei-lhe palavras singelas, baixinho, como um sussurro, pois não queria desperta-la, apenas sentar-me ao seu lado e adormecer no encantamento.
Foi então que ela abriu-se para mim suave, como o amanhecer de uma gotícula de água deixada pelo orvalho da noite,


Uma luz tépida penetrou nos aromas que exalava, as folhas que caiam como suspiros, subiram para os ramos abertos das árvores.
Castanhas e secas que eram, à cor verde retornaram, como almas fechadas pelo fumo de velas assopradas que se abrem no calor. A paisagem ganhou a cor dos frutos maduros que as crianças apanham nos galhos mais altos.
Olhei para o meu corpo aquecido pela sua nudez, senti um dedo mexer-se na direcção da minha mão…
As aves já não subiam em gritos de sufoco que contrariavam o tempo.
Agora sentia os braços dela entregues às minhas carícias, os lábios colavam-se em beijos cruzados nas bocas carnudas, como hormonas molhadas que rebentam entre o quente e o frio das línguas no esboço do desejo.
Desde esse dia o tempo parou, nunca mais as folhas caíram, agora os corpos fundem-se na harmonia dos dedos e da paisagem colorida.
Sinto algo mexer-se no seu ventre, escuto vozes de crianças, agora os pássaros não caiem do céu, transportam sonhos nas asas esplanadas pelo deleite de uma brisa de abundancia...


Miguel Martins de Menezes