quinta-feira, 10 de maio de 2012

PALAVRAS FECHADAS NA MÃO


Mundo Editorial - Artigo de Miguel Martins de Menezes publicado pela Mundo Editorial



Como foi o ano de 2011 para quem trabalha no Mundo Editorial? 

No meu caso pessoal foi paupérrimo, por diversas razões que aqui menciono com a maior sinceridade e abertura intelectual. Produzi duas obras que me levaram seis anos de árduo trabalho, dedicação e esforço, tendo abdicado de toda a minha carreira profissional por ter o desejo de cumprir com um longo sonho de adolescente: tornar-me escritor! Cultivei a leitura e a escrita ao longo de 40 anos de vida, uma paixão antiga que me perseguiu desde a minha adolescência. Apenas não comecei o meu trabalho mais cedo, pois após três tentativas para me tornar escritor (Uma aos 18 anos, a segunda aos 27 anos e a terceira aos 36 anos), percebi que não me encontrava suficientemente maduro para que pudesse atingir as finalidades a que me propunha. Aos 46 anos o sonho bateu na porta e tornou-se realidade...

O panorama literário que encontrei em 2011 foi catastrófico, percebi que estava num universo completamente diferente do que imaginei. Vejo que a literatura está a sofrer esta pressão de uma sociedade pouco virada para a cultura e mais ligada ao consumo de "hambúrgueres" e de "chiclete para os olhos". Não se procura no livro o conceito que leva o período estrutural da construção sintáctica de uma frase à mente, mas antes procura-se dar uma sucessão de palavras que não precisa de ser processada no cérebro, uma imagem, obliterando completamente a capacidade criativa do autor, reduzindo a comunicação a um mundo de estímulos e sensações leves.. Para quê pensar?

O minimalismo tem dominado o panorama actual da literatura com graves danos para a produção literária e criatividade dos autores. Infelizmente o mercado está dominado por editoras de "sabonetes", máquinas de fazer dinheiro, "casinos literários" onde se paga para entrar. Elas dizem ao autor que o texto tem de ser alterado se o desejar publicar e este adultera a sua produção para ver o seu livro nas livrarias.

Antigamente o escritor era o camião de lixo da consciência humana e por essa razão, como todo camião de lixo, ruidoso, perturbava as pessoas que despertavam para o amanhecer de um novo dia com um estado de consciência mais elevado. As editoras tinham uma outra função, esta sociológica, de dirigir a cultura e a informação de um modo que a sociedade era encaminhada de uma forma positiva na direcção da leitura. Hoje não passa de um negócio (tirando algumas excepções). Procuram ver se a obra possui conteúdo vendável, não se o autor tem mérito ou demérito. Um autor pode ser muito bom, mas se o que produziu não for consumista as editoras rejeitam... Querem sabonete!... Escândalo, o que a sociedade mais consome, não investem na arte mas sim no factor multiplicador do dinheiro...

Entrei em lugares onde se declara publicamente que já não é preciso ler, que a leitura em nada contribui na formação das pessoas para que estas possa dar origem a bons escritores. Escutei pessoas em diversos círculos literários afirmar que é legítimo que as pessoas cometam plágio como um modo de enriquecerem a visão da concepção literária. Curiosamente esta postura surge numa sociedade em que o homem mais imoral, mas bem sucedido financeiramente, é aplaudido pela sociedade imediatista em que vivemos, tudo agora, tudo já !... O imediatismo e visão "light" da vida onde a felicidade é confundida com posse de bens materiais.

A literatura minimalista é caracterizada pela economia de palavras, evitando advérbios e preferindo estender o tapete dos contextos em vez dos significados, deixando ao leitor a possibilidade de interpretar o texto de qualquer forma, ao agrado de cada mente ou imaginação, dando "dicas" ou insinuações, em vez de representações descritivas directas, levando a que os personagens das histórias sejam banais, comuns, sem expressão ou "rosto".

Como David Breitling dizia numa análise feita ao meu livro em Londres, afirmando que a cultura inglesa não podia ter uma visão da narrativa poética ao estilo de " No voo para o abismo" (cotado em 4º lugar em Londres/ Harper & Collins / Authonomy em Março de 2010) ou de um escritor como Gabriel Garcia Marquez ou mesmo do escritor Brasileiro Jorge Amado, pois " a língua inglesa e portuguesa estão ambas a ser vitimas da modernidade do minimalismo comportamental, comprimindo maciçamente a língua e destruindo centenas de anos de desenvolvimento da Sintaxe. Como resultado, o ouvido de quem fala foi treinado para assumir, implica "preencher os espaços em branco", como diria John Updike. Pensar nos modificadores como os espaços em branco..." Tal não é necessário na minha opinião, pois apesar de cultivar a ortodoxia na comunicação escrita, tentei aproximar-me dessa cultura de imediatismo com pequenas regras, sem danificar a sintaxe e os elementos estruturais que são o seu substrato.

A capacidade criativa do escritor fica reduzida, a sua visão pessoal de uma paisagem obliterada por uma exposição que induza a que as cores e os traços sejam exteriores ao processo criativo, fazendo-me lembrar uma editora que queria que eu produzisse micro-contos para a elaboração de um "Casino Literário" onde não se jogaria com dinheiro, mas sim com palavras! Esses contos seriam introduzidos em máquinas de "jogar" e pagos pelos utilizadores dessas máquinas. Obviamente recusei...

Antigamente um escritor precisava de ter uma cultura vasta, um processo moroso de sedimentação do conhecimento que muitas vezes levava 30 a 40 anos, hoje tal não é necessário, as ferramentas disponíveis transformam o homem mais inculto num escritor bem sucedido desde que escolha temas adequados à sua formação limitada; como o escândalo, zombies ou casamentos interestelares ou galácticos, mas quando se trata de escrever uma narrativa poético / conceptual aí as coisas começam a doer pois não existem ferramentas nem computadores que façam o trabalho. Infelizmente o mercado está dominado por editoras de "sabonetes", nada mais são do que máquinas de fazer dinheiro, "Casinos Literários" onde se paga para entrar. Elas dizem ao autor que o texto tem de ser alterado se o desejar publicar e este adultera a sua produção para ver o seu livro nas livrarias.

Não é pelo facto de uma determinada obra vender bem que esta continuará a ser vendida nos meses que se seguem. Pode acontecer, mas não o podemos tomar como uma regra.A originalidade é fundamental, pois os livreiros esgotam a sua paciência ao verem o seu “stock” de livros com o mesmo tipo de material. O escritor deve associar o interesse público às matérias que deve abordar o que requer um conhecimento do mercado que pretende atingir nas suas finalidades sociológicas.

Os investimentos que as editoras disponibilizam em recursos financeiros devem ter uma justa expectativa de retorno; duas facetas visíveis e bem claras: Uma é a facturação na forma da venda de livros e outra a promoção da imagem da editora/obra/autor, uma trilogia indissociável na abordagem do marketing quando este é bem sucedido. Muitas vezes um livro pode não ser bem sucedido, mas a repercussão da obra e do seu conteúdo acaba por fazer valer o investimento e o esforço sobretudo se olharmos à sua qualidade. Algumas obras explodem em vendas de modo exponencial, e poucos meses mais tarde ninguém as compra, outras têm uma progressão lenta e duradoura, é aí que entra a decisão das escolhas dos editores que investem na qualidade e nos aspectos estritamente puros do interesse e mérito de uma obra literária.

O que tenho visto no mercado de 2011 é inúmeras “editoras” (sobretudo virtuais), publicando sob demanda e cobrando quantias exorbitantes dos autores, expondo-os 30 dias na sua página na “net” e depois escondendo-os como livros fantasmas, voltando a colocar mais 100 novos livros (que nem lêem), e chegando ao fim do ano com receitas de milhões sem que despendam 1 real na divulgação dos autores. Poderia ir mais longe, pois o mesmo se passa com algumas editoras que fazem o mesmo sem que tenham sequer o trabalho de analisar as obras, corrigi-las, estabelecer uma política de marketing e de distribuição.

Quanto ao autor, este também deve seguir algumas regras, cortar a eloquência perante a ideia, sobretudo um livro deve estabelecer um elo entre a realidade e a sua produção, mesmo a ficção deve ter uma conexão poderosa com a realidade. O leitor não deve compreender a trama de uma obra com antecipação sob pena de se desligar da leitura por antevisão do que vem a seguir, sobretudo os elementos criativos da estruturação da obra devem visar este processo sem dano para a mensagem que se pretende transmitir. Infelizmente não é o que tenho visto, com muita pena minha, ao longo do panorama literário actual. Infelizmente o que vi em 2011 é muito pobre e vejo que caminhamos para uma sociedade de iletrados que procuram no livro o prazer e o imediatismo fácil em vez da cultura e do amadurecimento intelectual.

A par disso vejo que grande parte dos escritores não dominam o prontuário ortográfico, as regras ortográficas, sem capacidade para poderem revisar as suas próprias obras antes de as entregar ao seu editor. Este trabalho é complexo, detalhista e muito moroso. Requer conhecimentos profundos de gramática e das mais elementares regras da sintaxe. Quando um autor pretende travar a leitura para dar ênfase à ideia deve utilizar estes recursos para moderar a velocidade em pontos cruciais do tema abordado. Infelizmente poucos são os que se dizem escritores e possuem um completo domínio destas ferramentas.

Para concluir, desejo aqui deixar uma breve referência aos prémios literários, sobretudo aos dois maiores prémios literários do Brasil, cujo comportamento dos seus promotores, além de vergonhoso, não mostraram nenhum apoio à cultura mas sim a interesses pessoais...

Curioso, que num desses prémios eu soube antecipadamente qual foi um dos vencedores ao ver a sua obra "ab initio" divulgada na página oficial do organizador do prémio sem que os outros concorrentes tivessem beneficiado da mesma cortesia (com reflexo nos mídia que foi "beber" a informação na página oficial do prémio em questão), tendo comentado de imediato com uma escritora brasileira dizendo-lhe: o vencedor deste ano vai ser o Sr. X …, meses mais tarde, mal foi anunciado o resultado final do prémio, essa escritora minha amiga percebeu de imediato que não foi por acaso que pude ver com antecipação o que acontecia.

É vergonhoso que o próprio organizador do prémio promova logo de início a obra dos que vão vencer expondo toda a obra do concorrente na sua página oficial sem qualquer referência aos outros participantes.Outra questão vergonhosa é verificar que as editoras vencedoras em ambos os prémios são as mesmas, todas elas conhecidas do grande público. Acresce ainda o facto de num dos prémios para principiantes, ser atribuído um único prémio de 200,000 reais em nome da promoção da cultura, sem um 2º lugar e um 3º lugar. Não seria melhor distribuir um 1º prémio de 100,000 reais, um 2º prémio de 60,000 reais e um 3º de 40,000?...O mais interessante foi verificar que 380 obras foram analisadas em 30 dias, e que o júri desses concursos privilegiam os participantes com doutos diplomas académicos, figuras públicas,quando a arte da escrita não se cultiva apenas nas universidades e nas escolas.

Quais as suas perspectivas para 2012? 

Eu não vejo grandes mudanças para 2012 em termos de mercado. Tenho ajudado alguns autores com leitura crítica e procurando apontar soluções para que os autores consigam fazer passar a sua mensagem no actual panorama mundial.

Tive uma experiência longa dos mercados Ingleses e americanos, no mercado brasileiro e português, usando-os como um laboratório para os poder perceber. A única solução que um autor hoje possui para poder penetrar nestes mercados é em primeiro lugar tentar perceber o que se passa e em conjunto com o seu editor tentar mudar este panorama sem arrogância, sem destruir a criatividade, usando de referenciais técnicos simples. Ao longo de 2011 fiz muita leitura crítica e ajudei alguns autores a ter uma visão das suas possibilidades para contornar os obstáculos que hoje se nos deparam no panorama actual.

Não acredito que tudo vá mudar da noite para o dia, mas na verdade existem soluções técnicas e recursos que editores e autores não têm utilizado. O interesse pela leitura e a divulgação de escritores que possuem mérito poderia aumentar exponencialmente, sobretudo os que cultivam a escrita, optando por um sistema de triagem de autores muito próximo do sistema praticado na língua inglesa, deixando de perder tempo com autores sem qualquer potencial, canalizando a atenção para a literatura pura. Escritores que cultivaram a escrita durante inúmeros anos e são verdadeiros conhecedores desta arte nobre são ignorados por uma visão mercantilista que associa a análise de um livro a um sabonete ou outro produto de consumo disponível em qualquer super mercado. Basta entrar numa livraria para o constatar…

Miguel Martins de Menezes