quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Cárcere sem grades





Desejo embalar cabelos macios nos poros vazios da minha pele, encostar-te no meu peito serena; como um barco que sulca um fio de água atracando no cais sem o mais leve rumor ou lamento da brisa que o acolhe.

Não quero libertar-me desse amplexo fugaz, como um prisioneiro feliz e sem tempo que recusa a sua liberdade. Desejo sentir a tirania, um cárcere consentido numa singela trajectória da alegria.

Há uma angústia sem dor que me acolhe e persegue, um desalento afagado pela distância dos corpos entregues ao desejo insatisfeito. Insana essa vontade em que os amantes fazem expandir a volúpia insaciável do delírio quando a pele desmaia numa suave carícia.

Vejo-te criança, sentada num balouço atordoante de sorrisos, soam melodias diferentes, uma mesma língua, cruzam-se lábios que rasgam curtos passos de dança mas bocas abertas. Maravilhosa prisão, onde os corpos se deleitam em estados de tensão que se esbatem no paroxismo de um clímax sempre adiado.

Afinal existe um universo sem fraudes, a nuvem escura da tormenta afastou-se para o largo, longe, cada vez mais longe… agora entregam-se palavras nas bocas sem lei ou derrogação.

Não me afoguei no poço venenoso da dúvida, respiro livre no meu cárcere sem grades, sem sufocos ou angústias. Agora sinto os amantes num afago de amor feito de cadências melódicas…

Miguel Martins de Menezes

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

"NÃO QUERO QUE ME AMEM"





Não quero que me amem,
Não preciso de mais amor.
Não me amem, me esqueçam,
Não me amem jamais!
Coloquem no rosto o semblante
Da máscara fúnebre
De um carnaval sem folia,
Prefiro gritar e chorar
A dor torpe da minha agonia.
Não desejo viver no destino
A incerteza escondida,
A máscara social da audácia,
Um momento de vaga ilusão,
Amar a sombra que não vejo,
Amar uma mente irreal.
Amar apenas o corpo?
Melhor me olhar só…
Sem arquétipos de um amor falso,
Sem dilemas ou desprazeres,
Sem escolhas ou perguntas funestas.
Oh!... Vénia imoral, vício promíscuo,
Dobra-te hipócrita perante a virtude!
Quero amar tranquilo, desligado,
Amar sem iniquidade.
Abandonar o amor…
Já tenho por demais amor,
Na vergonha da proximidade,
encontro a mentira disfarçada de veracidade,
Mentiras destroem verdades.

Miguel Martins de Menezes

RELATIVIDADE




Foi assim que nasceram, vinham ambos nus, caminhavam serenos de mãos dadas, na frente estendia-se um planalto de sombra e relva macia.
Viviam na nobreza da ignorância, de um tempo sem hora marcada, sem distância ou proximidade.

A natureza acolheu-os no silêncio discreto do farfalhar das árvores onde os frutos coloridos entonteciam e caíam submetidos à força da gravidade, o apelo da terra que pisavam.

Percorriam lagos e caminhos dourados de espigas de milho, todos colhiam nus as delicias das hastes maduras onde as sementes esperavam.

Não havia terra ou proprietário, nem muros ou cercas, eram livres como os pássaros, sem apelos ou disputas.

Era como uma bela miragem sem lugar, uma paisagem que não temia o luar, até mesmo à noite via-se a cor dos dias, num desprezo fortuito, desinteressado…

Assim caminhavam, lentos, num desapego do futuro, do presente ou de um passado inexistente, sem memórias beligerantes ou história.

Um dia no caminho aprenderam a viajar, colhendo na luz uma incerta velocidade, no presente encontraram um tempo esquecido onde já não resta lugar…

Miguel Martins de Menezes